sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Meio Amargo

-Pra inaugurar o blog, posto aqui meu primeiro conto, lançado na revista semestral Caos Portátil, editada por Pedro Salgueiro e Jorge Pieiro. Meu primeiro filho também saiu no site Letras e Livros: www.letraselivros.com.br

MEIO AMARGO

CHOCOLATE, CHOCOLATE!
CHOCOLATE, CHOCOLATE!
CHOCOLATE, CHOCOLATE!
CHOCOLATE, CHOCOLATE!
CHOCOLATE, CHOCOLATE!
CHOCOLATE, CHOCOLATE!
CHOCOLATE, CHOCOLATE!

Ela ficava assim sempre depois de uma briga: respiração ofegante, mãos trêmulas e geladas, boca seca, rosto pálido, olhos esbutecados. Precisava comer chocolate! Os dedos longos iam até o fundo da gaveta em busca de uma barrinha que fosse, um bombom qualquer perdido por ali: última esperança.
Por que ele tinha que gritar daquele jeito? A voz grave e alterada insistia em permanecer ao pé do ouvido. Ainda sentia o bafejar quente em sua nuca, aquele cheiro insuportável de cachaça. Não precisava gritar tanto! Pra quê tocar nesse assunto outra vez?
Já tinha dito que ele era só um amigo do filho e mais nada! O garoto estava apenas ajudando a procurar um brinco que caíra no chão. Não era nada disso que ele estava pensando, não! Estava escuro e ele ficou confuso, nada mais!
E aonde aquele infeliz se meteu? Droga!!! Tenho certeza que deixei um chocolate por aqui! Procurou ficar calma. Sabia que não tinha culpa. Afinal, não poderia decepcionar o filho em sua festa de 18 anos. Mas quando foi à dispensa buscar o sal para a carne do churrasco, viu-se inexplicavelmente envolvida naqueles braços fortes e bronzeados. E como cheirava, meu Deus! O maldito planejara tudo, me seduziu o safado! E ainda teve o cuidado de fechar a porta, para que ninguém nos visse.
E aconteceu ali mesmo. Os dois sujos de sal. Aquele perfume a enlouquecia. O marido, percebendo a demora da mulher, foi procurá-la e deparou-se com o pior. Por sorte dela, ele não estava bêbado. Apenas puxou-a pelos cabelos e derrubou-a no chão com um tapa no rosto. Calmo e silencioso para que ninguém percebesse sua vergonha.
Logo ele, que nunquinha na vida me botou chifre. E olha que teve várias oportunidades! Era um homem atraente, um coroa bonitão do jeito que as garotinhas gostam. Mas bebia feito um jumento. Não é qualquer uma que agüenta, não! Aquele perfume...ai ai ai! Me deixou enfeitiçada! Bem que ele poderia andar cheiroso igual àquele garoto. Já havíamos conversado sobre o assunto, mas ele insistia em gritar e pedir explicações sempre que bebia. Agora, saiu de casa puto. Mas sei que ele volta.
Procurava na última gaveta do guarda-roupa quando sentiu nas mãos um objeto estranho. Não sabia que aquele crápula guardava uma arma no meio de nossas roupas! No mesmo instante, ouviu passos no corredor. Ele estava voltando. Uma voz estranha dizia-lhe que poderia acabar com aquilo tudo logo de uma vez. Não, não viraria assassina! Claro que não!
Ele entrou no quarto e ficou parado em frente à porta, com uma das mãos nas costas segurando algo. Ao ouvir a porta, virou-se e atirou. Foi tudo muito rápido, cerca de um segundo apenas. Derrubou o homem no chão com um tiro certeiro no peito. Ficou impressionada! Nunca havia atirado em alguém antes, como acertou logo no coração sem ter mirado ou mesmo pensado em atirar? Desesperou-se. Jogou a arma no chão, levou as mãos à cabeça como que querendo arrancar os cabelos. Correu para ver se ele ainda estava vivo, mas estava mortinho da silva, com uma barra de chocolate na mão.
O filho da mãe sabia que eu me acalmo com chocolate! E, com uma expressão estranha estampada no rosto, um riso meio torto e os olhos brilhando, tomou a barra da mão do defunto e comeu desesperadamente. Como quem passa muito tempo embaixo d’água e volto buscando ar incessantemente, numa questão de vida ou morte.
Aquilo lhe dava um prazer incomparável. Era como se ganhasse uma nova vida: a boca enchia de água, o coração acelerava, o rosto ganhava cor. Sentia um arrepio estranho percorrer-lhe o corpo. Não sabia explicar o que acontecia, mas a sensação que o doce causava ao descer pela garganta a agradava bastante. Era como uma droga que a fazia ir do céu ao inferno em cerca de um segundo apenas. Depois de lambusar-se toda de chocolate feito uma criança, ela resolveu tomar banho. Sentiu-se estranhamente sonolenta, os olhos pesados, o corpo mole. Adormeceu ali mesmo na banheira. O doce do chocolate na boca amargurada. Chocolate meio amargo.

8 comentários:

Beatriz Jucá disse...

Gostei da iniciativa do blog, Priscila! Vou estar sempre passando por aqui... :)

E quanto ao conto, prendeu a minha atenção do começo ao fim. Parabéns!

Julio disse...

Nossa!
Não havia lido seu conto ainda (não me emprestou a Caos neah? SAFADINHA)

Adorei Priscila.bjos

Welton Nogueira disse...

q legal.
todo mundo de blog agora.
dá uma olhada no meu pris!
apesar de novo tb já tá grandinho, mas é bom de ler.

Pedro Guimarães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Guimarães disse...

Adorei! Não sei se é por teatro ser tão importante pra mim, mas já li pensando numa adaptação. É uma boa história, mas quero conversar com você sobre uma coisinha. Fiquei orgulhoso do seu trabalho, de verdade. Ah, postei no meu. Beijão!

Anônimo disse...

Passando pra cumprimentar a mais nova 'blogeira' da cidade.

Dan disse...

Bem, lendo agora pela segunda vez e com bem mais calma do que a primeira vez, gostei mais ainda. E pude também observar momentos maravilhosos e momentos que, se fosse eu o autor, mudaria. Mas enfim, isso não vem ao caso. Assim como um filho, os textos saem como é pra sair e fim de papo.
Parabéns pelo texto e pelo sucesso dele! Torço por muitos outros.
Beijo, linda!

Tiago Moralles disse...

Puxa Priscila, gostei do seu texto, acho que não deveria deixar de alimentar seu Blog (não com chocolate, claro), escreva mais.